Há uns dias apanhei um autocarro que faz toda a marginal, desde a praia de Matosinhos até à foz do Douro, e termina perto da Ribeira. Estava uma manhã leve, clara e amena, como não se vê muito no Porto. O céu era de um azul intenso e cheirava ainda a Verão. Mal entrei no autocarro, um inesperado cheiro a peixe atingiu-me de tal maneira que ainda considerei abandonar o transporte, mas já estava atrasada demais para o fazer. Sentir logo de manhãzinha o odor do peixe cru e fresco não é propriamente uma das minhas coisas favoritas. Como não havia lugares sentados, fui obrigada a avançar para a parte mais recuada, e pude ver a causa de este transporte público cheirar como uma peixaria.
Na parte central do autocarro estavam pousadas duas enormes cestas repletas de peixe. Cestas de vime, à antiga, resguardadas por panos alvos e debroados, feitos à mão. Cada uma das cestas levava imensos peixes diferentes, e deveria pesar uma boa vintena de quilos. Quem as levava eram duas senhoras idosas, peixeiras de Matosinhos. Uma teria já passado seguramente dos seus sessenta anos, a outra aparentava ter mais de setenta. A minha reacção, após me passar a irritação criada pelo cheiro desagradável, foi ficar a olhar para as duas idosas que conversavam animadamente, frescas e alegres como dois pardais no raiar do dia. No meio de tanta gente calada, sisuda, incapaz de cumprimentar ou falar para o vizinho do banco do lado, ver aquela parelha a conversar e a rir como se estivessem numa festa popular, fez-me sorrir sinceramente, e pensar. Como seria possível ter aquela força? Eram duas velhinhas pequenitas que estavam à minha frente. Os seus cabelos eram um desalinho de cãs, as roupas pobres e humildes. As mãos eram secas e fortes como as de um homem, e as pernas já deformadas pelos esforços da vida. Os seus rostos estavam indelevelmente marcados pelos muitos anos das suas profissões, pelos desgostos, pelas perdas, pelas lágrimas e pelo sol. Mas também havia marcas de alegria naquelas rugas, e os olhos da mais velha brilhavam enquanto contava à outra um apuro que o seu filho havia passado no mar uns dias antes. E às vezes, entre algumas enxurradas de palavrões, tinham umas expressões de tal modo castiças que não conseguia evitar uma gargalhada semi-abafada. Como alguém um dia disse, era a música masculina das palavras sem vileza, tão típica do Porto. E como gosto das falas esguias e cortantes das peixeiras desta cidade quando, estupendas, dizem ditongos que nenhum linguista romântico conseguirá alguma vez explicar.
Perto da Foz velha deram sinal de saída e, perante o olhar incrédulo de toda gente, motorista incluído, arrastaram as cestas de vime para junto da porta e puseram-nas à cabeça, sobre uns lenços. Agradeceram ao motorista por ter esperado o tempo suficiente e abalaram, rindo das expressões admiradas das pessoas que as olhavam. Como se estas nem imaginassem a força que tinham e o que já haviam passado estas mulheres. Mulheres que são mães, avós, companheiras ou viúvas, e me deixaram surpresa e emocionada por, no meio de vidas certamente tão humildes e difíceis, na velhice, conseguirem mostrar uma atitude que a maior parte de nós não é capaz.
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